Por EBC,
O agricultor Joaquim Moreira, de 86 anos, nascido e criado na comunidade rural de Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto (GO), preparou-se para as emoções que teria nesta sexta-feira (22).
Ele vestiu a camisa de botão azul e tinha na cabeça o chapéu preto para homenagear o momento de receber oficialmente o certificado de autorreconhecimento de comunidade remanescente de quilombo. O documento foi expedido pela Fundação Cultural Palmares, e foi entregue oficialmente no aniversário de 37 anos da entidade, que ocorreu em Brasília.
Moreira recebeu o certificado das mãos do presidente da fundação, João Jorge Santos Rodrigues, e da ministra da Cultura, Margareth Menezes. “Eu nasci lá”, disse o agricultor diante das autoridades.
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Para a Agência Brasil, Joaquim Moreira disse que viveu sempre na mesma casa, e que os pais e avós também. Foi com eles que o menino aprendeu a plantar mandioca e arroz, e se encantar com o crescimento do canavial.
“Antes, crescia mais rápido. Chovia mais. Não faltava água nos córregos lá perto”, relembrou.
Primeiro passo
O certificado é o primeiro passo para que pesquisadores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) possam fazer o estudo antropológico a fim de comprovar as origens do povoamento de comunidade tradicional no território.
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Como foi expedido em 1º de agosto, os antropólogos do Incra já iniciaram as atividades de coletas de materiais sobre a presença centenária no lugar que antes chamavam de “Antinha dos Pretos”.
O certificado também garante defesa da comunidade e acesso às políticas públicas por parte dos moradores. No caso dessa região, que tem sido alvo de disputa judicial desde os anos 1940, uma decisão local chegou a retirar 28 famílias em benefício de espólios de outros produtores rurais.
Depois, com a certificação da Fundação Palmares, o STF enviou o caso para análise da justiça federal, o que suspendeu a desocupação.
“Estivemos bem próximos de perder nossa casa. O certificado nos defende”, explica uma das lideranças e descendente quilombola, Willianderson Moreira.
Comunidade urbana
Além da certificação para Antinha de Baixo, na cidade do entorno do Distrito Federal, o evento de comemoração do aniversário da Fundação Palmares entregou o certificado de autorreconhecimento de quilombola também para a comunidade urbana de Baixa da Xanda, na cidade de Parintins (AM).
“Nossa história é do século 19”, disse a aposentada Maria do Carmo Monteverde, de 86 anos, que cantou uma música para homenagear os pais. Foi a família que criou o Boi Garantido. “Eu lembro de tudo. Sou uma raiz desse lugar”, afirmou, ao lado da filha, Magali, de 55 anos. “É uma vitória que preserva a memória dos meus avós, bisavós e tataravós”.
Pela democracia
Presente ao evento de aniversário da Fundação Palmares, o primeiro presidente da entidade, Carlos Alves, de 85 anos, disse que a sociedade viverá a “plenitude democrática quando as diferenças desaparecerem”. Ele recordou que a origem da fundação teve relação com a promulgação da Constituição de 1988.
A celebração ainda contou com a presença de embaixadores de nações africanas no Brasil, como o de Camarões, Martin Mbeng. “Essa entidade é uma ponte viva entre o nosso continente e a grande nação de vocês”.
No evento também foi anunciada uma parceria com a Universidade de Brasília (UnB) para que exista uma plataforma de documentação para o sistema nacional de documentação de povos quilombolas e de terreiros. Outra ação foi o lançamento de uma cartilha de denúncias sobre conscientização antirracista.
O presidente da fundação, João Jorge Rodrigues, defendeu que é necessário convencer o Brasil, pessoas pretas e não-pretas, a lutar contra o racismo. “Somos a voz da igualdade e da liberdade”, afirmou.
Para a ministra Margareth Menezes, as ações de reparação garantem a memória do povo negro. Além disso, ela entende que a valorização das obras culturais produzidas por pessoas negras tem fundamental importância inclusive para a soberania do Brasil.
“Precisamos fortalecer a salvaguarda dos nossos valores”, disse a ministra.