Por EBC,
Desde criança, quando vivia na cidade de Ipupiara, no interior baiano, a artesã Regiane Araújo Pacheco, de 40 anos, sofria com muitas dores nos joelhos e no quadril. Isso a levou diversas vezes a procurar um clínico geral em sua cidade, que sempre receitava uma injeção para as dores que sentia. O diagnóstico, no entanto, só ocorreu quando ela já tinha 15 anos e decidiu ir a São Paulo buscar um médico especialista.
“Antes dos meus 15 anos, veio uma crise muito forte. Tive inchado no joelho, dormi e acordei com o quadril doendo tanto que me impossibilitava de andar. Nisso, eu fui para São Paulo, passei por um ortopedista e vários médicos, e nada de um diagnóstico firmado”, contou a Agência Brasil, ao participar do 10º Encontro Nacional de Pacientes, realizado em Salvador. Pouco tempo depois, ela foi finalmente indicada para um reumatologista e então obteve um diagnóstico de artrite reumatoide infantil.
Apesar desse diagnóstico, ela continuou sofrendo com muitas dores. Em 2008, buscou um especialista na cidade de Vitória da Conquista, na Bahia. Entre diversas idas e vindas de sua cidade até Vitória da Conquista, finalmente ela conseguiu um diagnóstico para lúpus, doença para a qual ela faz tratamento até hoje.
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Toda essa busca da Regiane por médicos para o diagnóstico e tratamento de sua doença é chamada de jornada do paciente. E, no caso dela, essa jornada foi extremamente longa: Regiane precisou enfrentar não só grandes distâncias para conseguir encontrar um médico especialista, como também levou anos para conseguir um diagnóstico e dar início ao tratamento.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), José Eduardo Martinez, um dos maiores desafios na área de saúde é exatamente conseguir diminuir a jornada dos pacientes, inclusive das pessoas que apresentam doenças reumáticas.
“Antes [de chegar] no especialista, há todo um trajeto que o paciente enfrenta. Por quantos médicos não especialistas ele [paciente] passou e que não suspeitaram ou que tiveram dificuldade para comprovar o diagnóstico [da doença], até que o paciente pudesse chegar na nossa especialidade? Então, quando a gente fala do programa Agora tem Especialistas, eu acho muito importante aumentar o número de especialistas [no país], mas eu acho muito mais importante que essa jornada do paciente seja encurtada”, defendeu ele.
Agora Tem Especialistas
O Programa Agora tem Especialistas é uma iniciativa do Ministério da Saúde e do governo federal que tem como principal objetivo reduzir o tempo de espera por atendimentos no Sistema Único de Saúde. Criada pelo governo federal, em parceria com estados e municípios, a iniciativa permite que as unidades de saúde ofereçam atendimento especializado a pacientes do SUS, colaborando para reduzir o tempo de espera da população por cirurgias, exames e consultas na saúde pública.
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De acordo com o ministério, as ações desse programa visam a ampliar a oferta de serviços especializados de média e alta complexidade em seis áreas prioritárias: oncologia, ortopedia, ginecologia, cardiologia, oftalmologia e otorrinolaringologia.
Na quarta-feira (24), a medida provisória (MP) que criou o programa Agora tem Especialistas foi aprovada pelo Congresso Nacional. No plenário da Câmara dos Deputados, a MP teve 403 votos a favor, e foi aprovada por unanimidade no Senado. O texto agora segue para sanção presidencial.
Para o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, a aprovação dessa medida provisória pelo Congresso “foi histórica” e vai dar “solidez” ao programa. “O Agora tem Especialistas busca enfrentar um problema que é o que a população mais sente hoje: o tempo de espera para atendimento especializado no Sistema Único de Saúde. As pessoas estão há meses ou anos esperando [atendimento especializado]”, disse ele.
“Esse programa traz inovações na legislação e permite que o governo federal possa estar mais próximo dos estados e municípios na oferta do tratamento especializado no país”, explicou o ministro a jornalistas na tarde desta quinta-feira (25), em São Paulo. “Uma outra coisa que o programa faz é levar cada vez mais médicos e especialistas e profissionais de saúde para regiões onde não temos médicos especialistas no nosso país. Queremos desconcentrar isso”, resumiu Padilha.
Melhorar atenção básica
Para o presidente da SBR, o programa do governo federal tem muitas qualidades. No entanto, ele defende que é preciso investir ainda mais na atenção básica, melhorando o atendimento e a formação dos profissionais que vão fazer o primeiro atendimento ao paciente.
“Se eu tivesse o cara da ponta, o da unidade de base da saúde, que desse uma resolutividade, o atendimento secundário ou terciário seria aliviado e se chegaria muito mais rapidamente naqueles casos que realmente precisam. E eu acho que esse é um grande desafio que a gente tem”, disse Martinez em uma entrevista coletiva concedida durante o Congresso Brasileiro de Reumatologia, que aconteceu entre os dias 17 e 20 de setembro em Salvador, na Bahia.
O presidente da SBR cita um exemplo: “Eu atuo no centro de uma região administrativa de Sorocaba. O meu paciente vem de Itararé (cidade paulista distante cerca de 243 km de Sorocaba). Algumas vezes, ele vem de transporte público. Ele sai às 02h da manhã e vem em um ônibus, com vários outros pacientes, e ele vai ser atendido às 13h. Ele é atendido e volta para Itararé. Aí, preciso marcar um retorno, e ele voltará daqui a seis meses ou um ano. Mas a solução seria que o médico que está lá [em Itararé] seguisse as diretrizes do SUS, ou seja, eu faço a contrarreferência e este médico segue [o tratamento deste paciente por lá]. O ideal seria usar a melhor a tecnologia [o que está previsto no atual programa do governo federal], mas seria necessário qualificar melhor o médico generalista na doença reumatológica. Assim, a jornada de um paciente com artrite reumatoide e lúpus para chegar no especialista ia ser muito mais rápida”, explicou.
Quem também concorda com Martinez é o médico reumatologista Valderilio Azevedo, membro da comissão científica de Biotecnologia da SBR. Para ele, se um médico generalista tivesse uma melhor formação, a jornada do paciente poderia ser encurtada.
“Tem muitas dessas doenças que você pode identificar precocemente e tratar ali [na atenção básica], sem que o paciente precise ir para o especialista”, disse ele. “Nem todo mundo precisa ir para um especialista. Se tivermos um generalista bem formado, identificando e tratando adequadamente e também encaminhando [o paciente] com qualidade, a gente diminuiria um pouco da jornada do paciente”, completou.
A médica Licia Maria Henrique da Mota, diretora científica da SBR, acredita que o problema maior está no referenciamento, encaminhamento de pacientes para um serviço mais especializado, e no contrarreferenciamento, retorno ao serviço menos especializado.
“Se eu tenho aquele paciente com artrite, e esse paciente está controlado e bem, precisando ser visto somente a cada três meses para checar uma série de exames complementares e a segurança do tratamento, ele não precisaria necessariamente voltar na minha unidade terciária”, ressaltou.
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Saúde informou que tem “ampliado de forma consistente os investimentos na Atenção Primária à Saúde (APS), considerada a principal porta de entrada do SUS”.
Por meio de nota, o ministério informou que “o orçamento da APS passou de R$ 35,3 bilhões, em 2022, para R$ 54,1 bilhões, em 2024, o que representa um aumento de mais de 50% nos recursos destinados ao fortalecimento desse nível de atenção. Atualmente, a cobertura da APS é estimada em 70% da população, com equipes atuando em Unidades Básicas de Saúde, Saúde da Família Ribeirinhas, Consultório na Rua e Atenção Primária Prisional”.
Ainda de acordo com o ministério, a Atenção Primária à Saúde não só trata de cuidado prestado por médicos de família e comunidade, como também “integra protocolos de qualificação profissional e ações voltadas ao acompanhamento de condições crônicas, contribuindo para reduzir o tempo de espera e encurtar a jornada do paciente até a Atenção Especializada à Saúde”.
* A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR)