Por EBC,
Ana Beatriz de Oliveira, 23 anos, foi a primeira a chegar à Praia Vermelha, na zona sul do Rio de Janeiro, para assistir e participar na noite de ontem (30), véspera do réveillon, do ritual em devoção à Iemanjá, orixá feminina que nas religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda representa as águas, seja nos mares ou nos rios.
A jovem trazia rosas amarelas para presentear a entidade, geralmente reverenciada com as cores azul e branco. “Eu fui comprar rosa branca, mas não tinha. Só tinha palma branca, só que estava murcha.”
As rosas amarelas eram oferendas de Ana Beatriz em gratidão à Iemanjá.
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“Eu vim agradecer pelo ano. Vim agradecer por eu ter conseguido me formar [em arquitetura], porque foi muito difícil”, conta ao também dizer que está empregada no último escritório que estagiou antes de se formar.
Washington Bueno, 58 anos, cabeleireiro e maquiador, conseguiu comprar palmas brancas ainda viçosas para Iemanjá. Queria pedir a ela por trabalho, saúde e amor. Ele, no entanto, tinha uma demanda especial: menos violência de gênero.
“Nós brasileiros estamos um pouco em conflito. Há questões de [falta de] respeito ao próximo, né? Tivemos este ano de 2025 com tantas agressões às mulheres”, lembra. “Nós falamos tanto que nosso país é um lugar gentil. Cadê essa gentileza? Eu estou aqui para pedir um ano mais de conscientização com o bem-estar e cuidado de um do outro.”
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As palmas brancas, rosas amarelas e outras flores levadas à Praia Vermelha podiam ser depositadas, junto com cartas, perfumes e champanhe, em um barco, azul e branco, de cerca de dois metros de comprimento, com a imagem de Iemanjá, e que ornamentava o espaço para a gira na areia da praia organizada pela Associação Umbanda e Cultos Afros (Auca).
O culto, chamado de “Presente de Iemanjá”, foi quinto ocorrido na última semana do ano em devoção à entidade, e que recebeu apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro (Coordenadoria da Diversidade Religiosa).
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Palco gospel
Apesar do suporte logístico e de segurança da prefeitura para os eventos religiosos de matriz africana, há lideranças da Umbanda que enxergam tratamento diferenciado com outras religiões nos eventos de fim de ano.
O babalawô Ivanir dos Santos, pesquisador e doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estranhou o patrocínio da prefeitura a um palco dedicado integralmente à música evangélica em Copacabana na noite do réveillon (hoje, 31). “Por que esse privilégio?”, questiona em entrevista à Agência Brasil.
“Não se trata de ser contra o palco gospel, não é esse debate. O debate é haver palco para apenas uma música religiosa”, pondera ao dizer que católicos, mulçumanos, budistas, assim como o povo do Candomblé e da Umbanda produzem música religiosa para seus ritos e louvores.
Santos assinala que a ausência de um espaço dedicado a músicas dos terreiros representa um “apagamento” de quem na década de 1950 iniciou uma tradição de festejar a passagem do ano vestido de branco na Praia de Copacabana, fazendo cultos e oferendas à Iemanjá.
Ele teme que o apagamento de tradições culturais e religiosas acabe por se impor uma cultura espiritual “hegemônica” e pouco tolerante com outras formas de credo.
Em entrevista coletiva ontem, após saber das críticas ao apoio à música evangélica, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, salientou que “há uma parcela muito significativa da nossa cidade que gosta de música gospel e que quer — e pode — ter seu espaço”
“Esse público não vinha para Copacabana e agora vai vir, vai conviver com pessoas fazendo oferendas a Iemanjá. Isso é o sincretismo religioso do Brasil e da nossa cidade.”